quarta-feira, 22 de março de 2017

Sou simplesmente o produto do meio em que fui criado

O frio do inverno se despedia e pairava no ar um cheiro a primavera. O sol, já sorridente, iluminava o seu longo e sedoso cabelo da cor do ébano e que lhe caía pelos ombros; os justos jeans e a blusa recortada no ombro esquerdo, tudo acentuava toda a sua feminilidade. Ele mastigava chicklet, usava boné de baseball até às orelhas, camisa recortada junto às ancas, e cujas mangas curtas mostravam ao mundo a masculinidade dos seus bícepes cultivados em ginásio, numa inocente (?) adolescência.  Subiam ambos, de mãos dadas, as escadas à entrada do centro comercial, perdidos naquela paixão que parecia bradar ao mundo o refrão da canção "forever young". Pararam no último degrau, talvez para saborearem um pouco mais o sol que aquecia  o que lhes ia na alma. Nesse instante ele quis um beijo, que ela submissa e
timidamente aceitou. De seguida fixaram-se olhos nos olhos e ele, qual criança que sentira o doce sabor de uma guloseima, quis um beijo mais íntimo que ela, embora contrariada, aceitou apaixonadamente (?) naquela mestria que parecia já ter desenvolvido para acalmar no parceiro a torrente hormonal que circulava nas veias feitas "rio bravo". De seguida ela afastou-se e insistiu que entrassem para almoçar e regressar a tempo e horas à aula de Matemática. Ele, talvez habituado a obter o que queria, ou porque as hormonas lhe toldavam já as poucas sinapses do bom senso existentes no seu pequeno cérebro, usou os galões da violência a que julgava ter direito, por absorção ou aprendizagem, puxando-a  brutalmente para si. Agora tudo parecia conjugar-se na verdade borbulhante das quadras de António Aleixo:

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.


Ela insistiu em partir, e ele quedou-se junto à parede fazendo-se ofendido. Tudo nele era um vulcão que prometia explodir  e assim aconteceu. Correu para junto dela disparou-lhe uma bofetada na face, e ela surpreendida, limitou-se a afagar com as duas mãos o rosto atingido. Mas, num gesto típico de um violento controlador e ditador, ele abraçou-a carinhosamente(?), e ela, numa atitude que me deixou abismado, pareceu desculpar o parceiro, aceitando caminhar lado a lado  sem sequer pedir explicações. Estavam alí os alicerces e os primeiro sinais de uma violência atroz, que ela, por inocência ou aprendizagem, insistia em não querer ver. Senti-me tentado a intervir, mas infelizmente não o fiz e assim, levado por aquela hesitação, permití vergonhosamente uma vez mais que o rapaz se desculpasse na perpetuação de uma outra quadra de António Aleixo:

Não sou esperto nem bruto
Nem bem nem mal educado;
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui criado.


Conhecer logo de início o carácter de um futuro parceiro ou parceira  é fundamental, para se fazerem escolhas que resultem em relações familiares saudáveis e equilibradas, sempre na perspetiva de que "A humanidade é como uma ave de duas asas (uma mulher e outra o homem); só quando as duas forem fortes e impelidas por uma força comum poderá a ave voar rumo ao céu.
Diz um ditado africano que "é necessário uma aldeia para educar uma criança".