terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A rapariga estrangeira do comboio

O chapéu preto de aba larga tapava o seu cabelo loiro, olhos  azuis, 1.90 m de altura, calçava salto alto, bem maquilhada, pestanas postiças, lábios carregados de batôn vermelho vivo e unhas pintadas de diferentes cores. Tudo em si parecia dizer “o mundo pertence-me” e, sob o olhar curioso de outros viajantes que se encontravam sob a plataforma de embarque na estação, subiu elegantemente para o comboio e sentou-se no lugar a que lhe dava direito o bilhete. Era estrangeira não havia dúvidas... 

Outros passageiros entraram enquanto um casal tipicamente luso se sentava ao lado da estrangeira: ele de barriguinha que falava por si, bigode farto 1:70 m de altura, sapatos gastos mas brilhando de tão bem engraxados; ela, de cabelo bem preto, até aos ombros, roupa preta, 1.60 de altura, lábio superior contornado por alguma penugem que se deixava ver a quem estava mais próximo. Ambos pareciam pedir desculpa ao universo por existirem, de tão mirrados e enrugados eram os seus rostos. Apitou o comboio e a viagem iniciou-se em direção ao Porto. Enquanto a estrangeira abria um livro cujo título não era visível, o casal conversou e o tema era a estrangeira alí sentada ao seu lado: mas que aberração esta estrangeira, porque têm um tamanho tão grande, o que será que elas comem para o pequeno almoço lá na  terra deles, e olha-me aquelas unhas todas pintadas que horror, estas estrangeiras são umas desavergonhadas; deixa a mulher em paz, dizia o marido; mas qual quê, insistia ela perante o silêncio da estrangeira,  deve ser uma mulher da vida,  e olha-me aqueles tacões, e os lábios para quê pinta-los daquela forma. Por mais  de hora e meia a mulher insistiu nos seus comentários sobre a rapariga estrangeira, enquanto o marido, resignado à língua afiada da mulher, de quando em vez limitava-se a um, então lá na terra dela deve ser tudo assim, o que é que tu queres.... Entretanto o maquinista anunciou a estação de Aveiro, e a menina estrangeira que se mantivera em silêncio até ali levantou-se, e em bom português ironizou: pois bem, gostei muito da vossa companhia, desejo-vos continuação de boa viagem, eu saio aqui. E dito isto partiu em direção à porta do comboio. O casal, sentado e lavado em suores frios, quase precisou de assistência médica tal foi o susto, a surpresa e o embaraço.....

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